Se enroupar-me a pele pálida, quase sem vida, com cobertores, ainda sinto frio. Sinto como sinto a alma presa n'um vidro polido e metalizado que mal reflete a invasão, pela janela entreaberta, da meia luz dessa noite quase morta. Sinto esse frio tão forte, como quem está sentindo na pele e no fundo da alma a sensação de quando se tem febre alta. Como a vontade de sentar no chão, abraçar as pernas e esconder o rosto entre os joelhos. Ficar quietinho assim até desanuviar esta tempestade, que só sobrasse o cheiro de terra molhada. A verdade é que antes de dormir olhei-me uma vez no espelho, vi apenas um garoto. Quase desconhecido por mim, a não ser por seu sorriso inconfundível que se deixava, cautelosamente, brotar entre os lábios. Singelo, doce, sem ambição alguma. Tímido demais para mostrar-se homem nos traços que o desenham. Gostava de estar com os olhos na lua, de ter nos mesmos o brilho das estrelas que enfeitam o céu negro, descorado. Em seu quarto, mesmo nos dias calmos: suicídios, vinganças sangrentas contra quem já a feriu na alma, rebeliões, casamentos; jurou por um Deus que se vingaria de modo fúnebre exemplar. E era como se bastasse uma brisa leve, morna, fresca e sem pressa para esboroar suas idéias sanguinárias. Sôfrego era, mas corajoso para ser, não. Para o garoto no espelho eu digo “prazer em conhecê-lo” ou “sempre fomos assim”? Então, decidi olhar-me outra vez. Na segunda vez em que olhei o meu reflexo, vi você. Que culpa eu tenho? Depois de você, às vezes, parece que não restou mais ninguém. Nem mesmo a mim. Foi uma pergunta que fez nossa história começar, mas que pergunta foi esta que fez tudo agora acabar? Outra viagem de negócios, outro motivo para ficar longe. E indo longe, longe foi.
─ Igor's Denali
1 comentários:
Que texto lindo Igor, parabens !
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