Tão logo comecei realmente a gostar, larguei. Meus amigos, nunca entenderam meus motivos. Ninguém nunca entendeu. Chamam-me de jovem com potencial, mas desprovido de força de vontade, ambição. Vulgo: covarde. Nas palavras de uma certa melhor amiga, eu vivia para "desperdiçar minha vida" ou “não possuía mais jeito”. Quando ouvi, achei graça. Andava numa infelicidade de fazer dó, transformado em azêmola pelo fardo das lembranças e da indignação, açoitado diariamente por essas, que puxavam-me as rédeas e controlavam-me o trote. Alguém nos ludibriou dizendo que felicidade jaz dentro de nós mesmos – e que, por sua vez, não precisa de ninguém nem nada para desabrochar. Nós acreditamos. Descobrimo-nos pedreiros: crescemos e envelhecemos construindo casas nas quais não entraremos.
O plano de me proteger para viver acabou por tomar o lugar da própria vida.
Fica explicado, portanto, todo o alvoroço que parentes e amigos fizeram quando anunciei minha partida. "Por quê?", eles perguntavam. De novo, eu achava graça. Queria explicar que rasguei o vale “felicidade” não só uma, tampouco duas vezes apenas. Queria dizer a meus pais que toda a inquietação que me assolava, toda aquela insatisfação com minha vida possuía nome e endereço. Todavia, como eles não compreenderiam, disse apenas que precisava mudar de ares. Assim, parti para outra roça qualquer, buscando não mais que a frugalidade há muito usurpada de meus dias. Meu caro, deixe me lhe dizer: não foi de todo ruim. Ah, não foi! Você ficaria surpreso com o que um homem em completa solidão pode aprender sobre si. A princípio, não nego, doeu deixar para trás meus familiares e amigos; mas foi ferida efêmera que sarou quando passei a viver meus próprios roteiros e escrever eu mesmo as histórias que leria.
Não abandonava a comodidade do meu novo lar por mais que poucas horas. Errava pelos cantos, perdido e sem querer ser encontrado. Em qualquer um desses dias nem tão frios nem tão quentes de Maio, esbarrei em alguém. De boa aparência, se convir dizer. Meio como eu. A essa altura, suponho que nem eu mesmo fosse “meio como eu”, mas enfim. Conheci um mundo novo, ao qual me adaptei com estranha rapidez. Beijamo-nos. Disse que sentiu uma conexão e que deveríamos vagar por aí juntos. Eu refutei prontamente, falei que era beijo bobo, de algo que não possuía futuro, coisa de uma tarde, ou uma noite. Não queria companhia, tampouco responsabilidade. Não queria ter medo.
Depois disso, decidi que se quisesse, o medo seria opcional. Repeti para mim exatamente isso durante várias vezes, como se pudesse mudar minha realidade. Mas ainda não estava preparado. Chamam-me de jovem com potencial, mas desprovido de força de vontade, ambição...
Estive em rodoviárias algumas vezes na minha vida, e essas, são algumas vezes mais do que eu gostaria. Numa dessas, o meu resto sobrou. Manterei-lhes informados caso o recupere e um final feliz seja-me atribuído, enquanto isso, podem se deitar e esperar comigo. Absorvendo o até então ponto não-final da minha história.